Houve uma
época, quando era criança, que era um menino alegre, cheio de planos, idéias e
sempre com um sorriso sincero. Hoje vivia a irrefutável rotina de seus dias,
sem demonstrar qualquer tipo de emoção. Acordava cedo, tomava seu banho,
escovava seus dentes e vestia-se para o trabalho, que exercia sem vontade numa
empresa de artefatos de decoração. Quando entrou para a faculdade de
publicidade, sonhava com grandes campanhas, comerciais de televisão e com seu
maior desejo, o de entrar no mundo do cinema, mas agora não, ele nem se
recordava disso, ou de como havia se tornado o homem que era. Uma sombra
apática e miserável da sociedade da qual fazia parte, se é que fazia parte de
alguma.
Como sempre, a
segunda-feira havia começado igual a todas outras. Acordar cedo, banho, escovar
os dentes e trabalho. Ele estava esperando o circular, como sempre fazia, para
chegar à cidade vizinha aonde trabalhava, e que ficava a sete quilômetros de
onde morava. Trajava sua velha jaqueta verde escura por cima da camiseta cinza,
uma calça jeans, e seus cabelos estavam no estilo “moicano”, corte inclusive
que se encaixava na atitude mais radical que tomara nos últimos doze anos. Ali
estava ele, esperando como sempre, o inevitável desenrolar de mais um dia. O
circular chegou e ele embarcou.
O percurso até
seu trabalho não demorava mais do que quinze minutos. Ele preferia sentar a
janela, pois descia na última parada da linha e assim não seria incomodado.
Olhava compenetrado o mundo passar pela janela, sem de fato prestar atenção a
nada, apenas absorto em pensamentos comuns e irrelevantes. Tão compenetrado,
que não havia notado a mão que estava estendida a sua frente, e que o fez
voltar de sobressalto a realidade. Um pacote de balas, sendo oferecido por uma
linda moça. Cabelos loiros, sorriso cativante e um par de olhos azuis
hipnotizantes. Não para ele. Ele não comia balas, mas aceitou para que logo
pudesse voltar para seus pensamentos. Alguns minutos depois e, sua parada
finalmente chegara. Levantou-se calmamente e dirigiu-se a porta de saída. A
alguns passos de sair do ônibus, o motorista chamou sua atenção e lhe entregou
um bilhete, dizendo que havia sido entregue pela mesma moça que antes havia lhe
oferecido balas. O bilhete foi escrito em um recibo de mercado, no caso recibo
este referente ao pacote de balas. Uma letra desenhada e formosamente alinhada
dizia a seguinte frase: “Em 2 anos neste ônibus, nunca vi seu sorriso. Mesmo
assim, têm noites em que sonho com ele!”. Ele colocou o bilhete no bolso e
seguiu para o seu rotineiro dia. Sem mesmo sequer pensar sobre isso.
O dia havia
sido cansativo, como todos os outros na vida dele. Sem grandes mudanças, além
da marca de utensílios de higiene usados em sua empresa e a falta de bacon no
seu “xis” diário, opção esta devido a uma gastrite recém adquirida. Olhou o noticiário
sem prestar grande atenção aos fatos, comeu seu pão com manteiga e foi tomar
seu banho antes de dormir. Após todo esse ritual que se repete todos os dias,
da mesma forma que tantos outros rituais, ele deitou-se. Estava com sono, mas
não conseguia dormir. Por mais que tentasse, se sentia incapaz disso. Não
somente a noite havia caído lá fora, como também aquela frase escrita em um
recibo havia caído agora em sua mente. Ele tentou dormir. Tentou evitar pensar
nisso. Ele tentou, mas não conseguiu, e isto o deixou apavorado. Fazia anos que
não sentia nada além de indiferença. Algo havia mexido com ele, e ele precisava
descobrir. Ele precisava encontrar aquela moça. Seria a primeira coisa que
faria pela manhã!
Continua...