Todo sábado
acontece um tipo de confraternização, apenas alguns amigos mais chegados e como
sempre, os mais dispostos a sair de casa com o frio da serra. Dentre os mais fiéis
estava Denis, um dos nossos amigos em comum, considerado “o cara”. Sabe aquelas
pessoas em que tudo na vida parece dar certo? Carreira profissional em
ascensão, namorada amável, futuro promissor e tudo mais? É, esse era o Denis! O
tipo de cara que toma as decisões certas. Nascido para chegar ao topo! Enfim,
Denis sempre estava lá. Todo sábado.
Após algumas
horas (e cervejas), aonde todos se empoleiravam nas cadeiras de balanço e falavam
empolgados, contando as situações do cotidiano, desilusões amorosas, planos
para o futuro e até mesmo algumas brigas por egos inflamados, percebi que a
única pessoa que não criava frases afirmativas ou se gabava de algo, era
justamente o Denis. Ele raramente falava, e quando o fazia, vinha com perguntas
dos mais variados assuntos. Aquilo já estava me irritando, porque até então eu
nunca havia me dado conta dessa mania dele, e agora que percebi, o fato de “o
cara” questionar tantas coisas me deixava inconformado. E assim a noite foi
passando. “O cara” questionando e eu me irritando. Então chegou ao ponto
crítico (etilicamente falando), aonde não contive minha irritação e explodi:
- Denis, tu é um hipócrita mesmo!
- Que? Oque que eu fiz?
- Cara, aqui dentre nós, todos
sabemos qual teu potencial. Como as coisas dão certo na tua vida, e agora
chegar aqui sempre questionando as coisas como se não soubesse de nada, só pode
ser para nos humilhar, mostrar o quanto a gente é burro!
- Calma cara, isso que tu disse
não faz sentido algum! Eu sou igual a todos aqui!
- Não é não. Nem me lembro da
última vez que tu errou. Se é que isso já aconteceu. Tu é “o cara”. Tá louco!
Tantos anos de amizade e só agora que me dei conta dessa tua atitude.
Então Denis se
levantou. Confesso que fiquei nervoso, pois além de ser “o cara”, Denis tinha
sua imponência física também. Nunca foi um homem violento, mas mesmo assim,
aquele momento poderia desmistificar essa teoria de “homem da paz”. Ele veio
vagarosamente em minha direção. Passo a passo. Olhando fixo nos meus olhos.
Então, na marca de um metro de distância de mim, ele parou. Todos na sala pararam,
até de respirar eu acredito, assim como eu. Então ele falou:
- Cara, tu é meu amigo, um dos
que mais considero. Não sei como tu chegou a essa conclusão, de que sou “o cara”,
e nem quero saber na verdade. Mas tu precisa saber, e entender uma coisa. Nesta
sala, no meio de todos vocês, me sinto o mais ignorante. Todos vocês tem
experiências, situações, informações e algo a acrescentar na minha vida. Nunca
saberia tomar as decisões que tomo se não tivesse vocês. Tenho dúvidas, medos e
receios, que todo sábado um de vocês, mesmo sem querer, decifra, sem que eu
mesmo note. Se existe um “cara” entre nós, ele seria cada um de vocês, e eu? Eu
sou só um amigo que presta atenção. Porque não importa o quando se sabe da
vida, sempre existe alguma coisa a se aprender com a cadeira que balança ao seu
lado!
Depois dessas frases proferidas
por Denis, não tive mais como ficar ali. Peguei minhas coisas e fui embora,
pensando no que havia escutado do “cara”, e em como ele tinha razão.
Fazem dois
anos desde este dia. Ainda participo das confraternizações, assim como Denis,
porém existe uma diferença agora, nunca mais me irritei com ele, e presto muita
atenção em tudo que é dito, afinal em todos os aspectos da vida, a cadeira que
balança ao seu lado sempre pode lhe ensinar alguma coisa!
Um comentário:
É, meu ilustre Rodrigo! Enquanto vivemos sempre estamos aprendendo, seja com Denis, com Rodrigos, Beltranos e Sicranos, e quando entendemos isso, significa que demos um passo adiante em direção a ser "o cara".
Por sinal, que belo texto. Certamente tuas reuniões com o Denis tem lhe dado material para textos cada vez melhores e mais analíticos.
Parabéns, meu caro.
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